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Um dia após o segundo turno das eleições municipais, o jornal fluminense Extra circulou com uma primeira página digna de uma aula de análise de discurso.
A capa de 31 de outubro de 2016 do Extra traz sobre um fundo branco, simbolizando a paz, a seguinte manchete de duas linhas, em letras garrafais enlutadas:
O RIO ÉUNIVERSAL
Fez um trocadilho, jogando com o duplo sentido da palavra "universal", que tanto se refere ao adjetivo que designa o que pertence ao universo inteiro, a todas as pessoas, coisas e lugares, quanto ao substantivo que denomina a igreja neopentecostal criada em 1977 pelo bispo Edir Macedo, um dos maiores desafetos da Rede Globo.
O jornal Extra é do grupo Globo. O senador e bispo Marcelo Crivella, prefeito eleito no segundo turno na cidade do Rio de Janeiro pelo PRB, é considerado o expoente da Universal na política brasileira.
Para complementar o título principal, o jornal usa um subtítulo, em corpo menor, formado por locuções. Em vez de vírgulas para separar essas expressões, emprega cores diversificadas e tamanho variado de letras, num exercício de metalinguagem.
É DOS GAYS DO CARNAVAL
DAS MULHERES DA DIVERSIDADE
DA UMBANDA DOS NEGROS
DO CRISTO DA TOLERÂNCIA
Logo abaixo, no lugar de uma única foto em seis colunas, ocupou cada uma das colunas com uma foto vertical distinta, representando em imagem tanto a universalidade da manchete, quanto os segmentos retratados nas locuções do subtítulo.
A primeira fotografia mostra o Cristo Redentor, símbolo máximo do Rio e das religiões cristãs. A única divergência é que os evangélicos, grupo no qual se incluem os integrantes da Universal, não aceitam o uso de imagens para representar santos ou mesmo o filho de Deus. Da memória da televisão brasileira e dos católicos, ainda não se apagou a cena de um bispo chutando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, em um programa na TV Record, controlada pela Universal.
A segunda foto expõe uma mulher de bustiê, com a frase "Ventre Livre" grafada em seu corpo, numa referência à aprovação do aborto.
A terceira exibe o desfile de uma escola de samba no Carnaval da Marquês de Sapucaí.
A quarta retrata uma mulher com trajes de mãe de santo em uma praia, como se levasse oferendas a Iemanjá.
A quinta é uma fotografia da parada gay, com uma grande bandeira do Movimento LGBT.
A sexta traz uma mulher negra diante do Monumento a Zumbi dos Palmares, na Praça Onze, no centro do Rio.
Abaixo dessas fotografias, em vez de um título convencional, o Extra apelou para um recurso da publicidade, a função apelativa, ou conativa, da linguagem, grafando cada palavra com uma cor diferente: vermelha, amarela, verde e azul. Como se conversasse com o recém-eleito, que prometeu cuidar das pessoas cariocas, usou este título de quatro colunas em duas linhas:
AGORA, É CONTIGO,CRIVELLA
Abaixo dessas fotografias, o jornal publica, em quatro colunas, uma foto de Marcelo Crivella, comemorando a vitória nos braços dos correligionários na noite de domingo, na sede do Bangu Atlético Clube, após a confirmação de sua vitória para comandar a Prefeitura do Rio de Janeiro, por quatro anos, a partir de 2017, em substituição a Eduardo Paes (PMDB).
Nas colunas à direita e à esquerda dessa foto. o Extra dá informações sobre a eleição de Crivella e sobre seu novo secretariado, que tem entre os nomes cotados: Índio, Osório e Bolsonaro.
A capa recebeu elogios e críticas dos leitores do diário.
Por meio dos recursos gráficos e linguísticos de que se valeu para compor essa primeira página, a edição evidenciou a opinião do jornal sobre a eleição do senador pastor e os desafios que ele terá que enfrentar em função de suas convicções religiosas e diante da diversidade existente na Cidade Maravilhosa.
(Publicado originalmente no Blog da Lídia Maria de Melo)
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